domingo, 28 de abril de 2013

Brasil, desafia nosso peito à própria morte.


Não nos enganemos: tomaram o Brasil. Ideias elitistas são balbuciadas por bocas irresponsáveis e nem nos damos conta. Por quantas vezes já não nos deparamos com alguém que diz “bandido bom é bandido morto”, “se já vota, já pode ser preso”, “índio de verdade não existe mais”, “pena de morte é a solução”, “pobreza não é desculpa”? Por quantas vezes calaram nossas bocas para nos dizer que a utopia é algo que não se deve seguir? Meu medo é que deixem o Brasil nas mãos dessas pessoas.
Enquanto as classes minoritárias são esquecidas, grandes barões são alimentados por cofres públicos. Fala-se da educação brasileira e da desvalorização do professor. Fala-se da violência e da bala perdida que corta gargantas. Fala-se dos desmoronamentos de terra em áreas pobres. Fala-se do caos público e do quanto o Brasil é um péssimo lugar para viver. Mas pergunto: alguém já lhe falou sobre soluções? Em que muro se esconde a moral das pessoas que acreditam que a violência, usada para reprimir a violência, nos serve para alguma coisa?
Ações policiais são cada vez mais discriminatórias. Jovens são marginalizados. A valorização do intelecto dá lugar a uma educação voltada, único-exclusivamente, para o preenchimento de vagas no mercado de trabalho. Os negros continuam sendo maioria nas prisões e minoria nas universidades.  A orientação sexual é reprimida. Religiosos fundamentalistas espalham ódio. E nós? Há quem acredite que tudo está bem. Que tudo não passa de ideias de quem não tem o que fazer.  Há quem durma. Há quem chore.
Os debates são travados por pessoas que desconhecem a realidade. Opiniões mal formadas são jogadas no ventilador da ignorância e, de tanto serem repetidas, tornam-se verdade aos ouvidos daqueles que só ouvem. O problema é tentar tratar as falhas em sua superfície e esquecer o quão profunda uma ferida pode chegar a ser. Enquanto os policiais erguem seus cassetetes, cientistas sociais são tidos como loucos. O certo é usar o braço e não a mente. Eu tenho medo dessas ideias.
O pai que diz para o filho que homem não chora é o mesmo pai que não chorou quando criança. A mesma mãe que diz que a filha precisa lavar a louça por ser mulher, é a mãe que acreditou nos discursos machistas de uma sociedade doente. Como eu posso acreditar em conceitos velhos de família, se esses conceitos discriminam e ferem? Como confiar em uma sociedade individualista cujos preceitos de coletividade são perdidos em todas as ruas? Como posso parar para ouvir e acreditar em piadas de humor negro, enquanto, todos os dias, mutilam minha gente que nem tem voz para gritar?
E há quem ache que está tudo bem!? Está tudo bem. Esta afirmativa é, talvez, a pior piada que já ouvi. E é uma piada tão sem graça que não consigo entender por que é tão repetida. Levaram o Brasil para longe e pisam em sua bandeira quando abrem a boca para falar. És, Brasil, gigante pela própria natureza. Mas não és capaz de espalhar sua grandeza dentre seus filhos. Dentre outras mil, és tu, Brasil, quem esquece de seus filhos. Verás, Brasil, que um filho teu não foge à luta. Mas verás, em conjunto, de mãos dadas, quais dos teus filhos não nasceram para lutar.

Clarissa Damasceno Melo.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

REPENSAR


Se, de um lado, a opressão capitalista insiste em esconder as injustiças causadas por um sistema que, por sua base, desvaloriza o ser humano frente ao lucro;  do outro existe uma parcela da população que nada sabe, nada vê. É incrível, mas parece que o Sol anda escondido pela peneira.
Atrás dos morros, nas favelas, nos bairros mais pobres e desumanos; estão eles que representam nada mais que índices cabulosos às autoridades. Eles, que normalmente  são acusados de roubo, tráfico, prostituição; eles, detentores de armas, de objetos furtados nos bairros ricos; eles, cheiradores de pó.Os diabos vestidos de prada, que nos enfiam mãos nos bolsos nossos, parecem-nos menos perigosos que aqueles vindos das portas dos fundos do Brasil.  Parece que, com uma mão, a justiça acaricia os bandidos vestidos de terno e, com a outra, envolta à navalhas, dilaceram aqueles que mal sabem por que ou para que estão no mundo.
Se um assassino louco sai de casa armado e aponta a cabeça de um cidadão de bem, o que importa, para a justiça, e para quem o vai condenar, é saber de onde ele veio. Se saiu da casa de seu pai rico, entrou em um carro importado e passou por cima de um... Quem se importa? Foi sem querer, não foi? Em pouco tempo, quando todos esquecerem - e todos se esquecem rápido demais -, ele já poderá dirigir de novo e estará fora da cadeia. Mas, se uma mãe faminta invade uma farmácia para roubar, ela será mais uma a encharcar de lágrimas uma cela que já transborda gente que saiu das portas dos fundos.
O moleque fedorento, que anda nas ruas a mendigar doce, incomoda. O mendigo que invade, quase nu, aquele restaurante importante, incomoda. O pedidor de moeda, incomoda. As mulheres que vendem seus corpos, incomodam. Eles são quem vai pegar nosso dinheiro para comprar drogas. Eles são quem representam a falta de segurança das grandes cidades. Eles são eles, e não são nada. Já os latifundiários, colecionadores de terras produtivas que não produzem, acumuladores de sacos de dinheiro, que não oferecem empregos, que mutilam índios, que poluem... Quem são eles? Eles são o progresso, o futuro, a solução, a mão que nos acaricia e mima. Eles não incomodam ninguém e pecam menos que aqueles que já nasceram para pecar.
Se, de um lado, faltam profissionais em bons empregos, do outro, existem centenas dos chamados trombadinhas que nem sequer souberam ou saberão o real significado da palavra 'oportunidade'. A oportunidade de não precisar roubar, de deitar na cama sem que o policial lhe bata à porta para levar-lhe embora, oportunidade de não ficar pelas calçadas, a passos largos, invadindo pessoas. Oportunidade de ser ouvido pela sociedade que o julga. Oportunidade de ter defesa diante da Justiça cega, oportunidade de se fazer e se ser, sem se preocupar com novas ou antigas leis e, principalmente, a oportunidade de estudar.
O Brasil, para começar a ser Brasil, precisa descriminalizar a pobreza. Políticas públicas precisam ser refeitas e repensadas. Repensados, também, precisam ser os pensamentos daqueles que, mesmo diante dos direitos humanos, defendem a pena de morte, defendem os policiais que utilizam-se de seu poder para humilhar e maltratar. Repensados, precisam ser, em verdade, os pensamentos daqueles que se calam diante das tragédias que presenciam e ajudam a edificar.

CLARISSA DAMASCENO MELO