Se, de um lado, a opressão capitalista insiste em esconder
as injustiças causadas por um sistema que, por sua base, desvaloriza o ser
humano frente ao lucro; do outro existe
uma parcela da população que nada sabe, nada vê. É incrível, mas parece que o
Sol anda escondido pela peneira.
Atrás dos morros, nas favelas, nos bairros mais pobres e
desumanos; estão eles que representam nada mais que índices cabulosos às
autoridades. Eles, que normalmente são
acusados de roubo, tráfico, prostituição; eles, detentores de armas, de objetos
furtados nos bairros ricos; eles, cheiradores de pó.Os diabos vestidos de prada, que nos enfiam mãos nos bolsos
nossos, parecem-nos menos perigosos que aqueles vindos das portas dos fundos do
Brasil. Parece que, com uma mão, a
justiça acaricia os bandidos vestidos de terno e, com a outra, envolta à
navalhas, dilaceram aqueles que mal sabem por que ou para que estão no mundo.
O moleque fedorento, que anda nas ruas a mendigar doce, incomoda. O mendigo que invade, quase nu, aquele restaurante importante, incomoda. O pedidor de moeda, incomoda. As mulheres que vendem seus corpos, incomodam. Eles são quem vai pegar nosso dinheiro para comprar drogas. Eles são quem representam a falta de segurança das grandes cidades. Eles são eles, e não são nada. Já os latifundiários, colecionadores de terras produtivas que não produzem, acumuladores de sacos de dinheiro, que não oferecem empregos, que mutilam índios, que poluem... Quem são eles? Eles são o progresso, o futuro, a solução, a mão que nos acaricia e mima. Eles não incomodam ninguém e pecam menos que aqueles que já nasceram para pecar.
Se, de um lado, faltam profissionais em bons empregos, do outro, existem centenas dos chamados trombadinhas que nem sequer souberam ou saberão o real significado da palavra 'oportunidade'. A oportunidade de não precisar roubar, de deitar na cama sem que o policial lhe bata à porta para levar-lhe embora, oportunidade de não ficar pelas calçadas, a passos largos, invadindo pessoas. Oportunidade de ser ouvido pela sociedade que o julga. Oportunidade de ter defesa diante da Justiça cega, oportunidade de se fazer e se ser, sem se preocupar com novas ou antigas leis e, principalmente, a oportunidade de estudar.
O Brasil, para começar a ser Brasil, precisa descriminalizar a pobreza. Políticas públicas precisam ser refeitas e repensadas. Repensados, também, precisam ser os pensamentos daqueles que, mesmo diante dos direitos humanos, defendem a pena de morte, defendem os policiais que utilizam-se de seu poder para humilhar e maltratar. Repensados, precisam ser, em verdade, os pensamentos daqueles que se calam diante das tragédias que presenciam e ajudam a edificar.
CLARISSA DAMASCENO MELO